Com a crescente preocupação com as alterações climáticas, a escassez de recursos naturais e as dificuldades económicas em vários países do mundo, a forma como os festivais lidam com a gestão de resíduos e recursos, e as práticas que implementam, são cada vez mais importantes. Recentemente, as tendências de consumo sustentável por parte do público têm vindo a aumentar, verificando-se também uma preferência do mesmo para marcas que se encaixem com os seus valores pessoais.
O artigo que visamos analisar: "Beyond City Limits: A Case Study on the Sustainability Practices at Austin City Limits Music Festival" de Molly Dengler é um estudo abrangente que examina as práticas de sustentabilidade no festival Austin City Limits (ACL), recebe mais de 65 mil pessoas por dia a cada edição e com um alinhamento de mais de 130 bandas de diferentes estilos (e.g. hip-hop, rock), sendo uma referência global do setor. O objetivo deste estudo é avaliar os três pilares da sustentabilidade no mesmo: ambiental, social e económico.
Fotos: Austin City Limits, Charles Reagan (Foto 1 e 3); Todd Owyoung (Foto 2)
A autora começa por enfatizar a crescente importância da sustentabilidade devido aos parâmetros atrás mencionados, ressalvando que os esforços de redução da pegada carbónica por parte das empresas e grandes organizações, têm um impacto mais substancial, do que as ações individuais de cada pessoa. O conceito de "sustentabilidade" evoluiu significativamente desde a sua introdução na década de 1970. Hoje, todas as definições deste conceito acentuam não só o aspeto ecológico, mas também social e económico – estão, assim, intimamente interligados. A sustentabilidade ambiental concentra-se na preservação dos recursos naturais, a sustentabilidade social na distribuição equitativa dos recursos e no bem-estar da comunidade e a sustentabilidade económica na utilização eficiente destes recursos, inclusive humanos.
Talvez a parte mais importante sobre este estudo seja o guia de melhores práticas sustentáveis para grandes eventos, composto por Dengler, que pode ser uma ferramenta muito útil para os promotores de eventos e festivais de grande dimensão. De acordo com a autora, as iniciativas de gestão de resíduos do festival ACL são particularmente notáveis, demonstrando uma abordagem proativa para se reduzir os resíduos através de extensos programas de reciclagem e compostagem. O uso de fontes de energia renováveis e os esforços para compensar as emissões de carbono reforçam ainda mais o compromisso da ACL de minimizar a sua pegada ambiental. Este tipo de ações ressoam com uma grande parte de consumidores conscientes, que exigem cada vez mais que os eventos em que participam se alinhem com os seus valores. No entanto, embora essas iniciativas sejam positivas, o festival poderá ampliar ainda mais o seu impacto adotando práticas mais inovadoras como por exemplo, a alimentação de palcos com energia solar, em vez de geradores, ou o incentivo ao transporte público, que podem melhorar significativamente esta gestão.
Quanto à dimensão social, o ACL foca-se na inclusão, no envolvimento da comunidade e no apoio ao talento local. Ao fornecer plataformas para artistas e vendedores locais, o festival promove um sentimento de comunidade e pertença, o que é crucial para a sustentabilidade social. Isto não só enriquece a experiência dos participantes, como também fortalece a economia local. Além disso, o compromisso da ACL com a acessibilidade fortalece os laços comunitários e promove a equidade social. Para aumentar esse impacto, poderia ser considerada a introdução de mais programas baseados na comunidade e colaborações com escolas e organizações locais para nutrir a próxima geração de artistas e cidadãos conscientes. O apoio às empresas locais e a criação de emprego, bem como o afluxo de turistas e público, estimula a economia local, beneficiando vários setores económicos como a hotelaria, alimentação, entre outros. Esse impulso é crucial para a vitalidade da economia da região.
Falando de Portugal, temos um enfoque cada vez maior nesta área. As candidaturas aos Iberian Festival Awards, organizados pela APORFEST, na categoria “Contribution to Sustainability” são cada vez em maior número. O Boom Festival continua a ser o festival nacional com maior impacto e reconhecimento no que toca à sustentabilidade – o que é louvável sendo que é também o de maior dimensão e, por conseguinte, o que causaria mais emissões. A consciência de que o festival causa um impacto negativo na natureza (como qualquer evento de grande dimensão), está bem presente no planeamento do Boom. Para mitigar estes efeitos, e para além das ações de sensibilização no próprio recinto, a organização intervém em 12 dimensões: Arte e Criatividade, Água, Solo, Ar, Energia, Gestão de Resíduos, Saúde Pública, Aquisição de Materiais, Alimentação e Nutrição, Mudança Social, Mobilidade e Transporte e Embalagens. Sendo assim, no que toca à construção de infraestruturas, dão preferência a materiais naturais, encontrados na herdade como salgueiro, cana, palha, bambu, madeira e pedra certificadas, e reutilizam os mesmos enquanto for possível nas edições seguintes. A instalação de painéis solares permite que a herdade de Idanha-a-Nova seja quase completamente autossuficiente no uso de energia elétrica (tirando em dias de chuva ou durante a noite), e são usados também para o sistema de irrigação da horta e dos jardins (com plantações de permacultura com manjericão, sálvia e alecrim, e vegetais como abóboras, tomates e curgetes). Não ficando apenas pelo aspeto ambiental, o aspeto socioeconómico é também de grande relevância, priorizando o abastecimento de bares e restaurantes locais – o que apoia a indústria local e reduz as emissões de transporte. A criação de emprego para a população local e os donativos feitos a Associações da região, são também contribuições sustentáveis importantes, na medida em que promovem e mantêm a economia local – que também é impulsionada pela quantidade de turistas e visitantes que o festival recebe.
Em geral, o estudo de Dengler sobre as práticas de sustentabilidade no Austin City Limits Music Festival fornece uma análise detalhada de como o festival integra os três pilares da sustentabilidade na sua organização e oferece recomendações práticas para novas melhorias. Entre eles, melhorias no impacto sobre a comunidade, eficácia e divulgação das práticas existentes. No entanto, como podemos verificar com o caso do Boom Festival, poderia ser benéfico comunicar mais com as pessoas sobre as práticas sustentáveis que realizam, aumentando o seu envolvimento e demonstrando maior transparência. Ao destacar estas práticas nas redes sociais e no website, por exemplo, aumenta a confiança do público no evento e cria um exemplo a seguir para outros eventos da mesma dimensão.
Será que, com cada vez mais eventos a assumir práticas sustentáveis e a crescente preocupação com as alterações climáticas, isto se tornará o novo normal na produção de eventos?
Este artigo científico, na sua versão completa, está disponível na área reservada aos associados (de todas as modalidades), para consulta.
Fotos: PinkPlankton, no Boom Festival
Bibliografia:
Dengler, M., 2024, “Beyond City Limits: A Case Study on the Sustainability Practices at Austin City Limits Music Festival”, disponível na área de associado;
Boom Festival 2023, Web Site, consultado em https://www.boomfestival.org/boom2023/environment/
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