Analisamos com base no artigo científico ‘What if it rains? What if there are bushfires?’: Extreme weather, climate change and music festivals in Australia de Ben Green e Catherine Strong, publicado este ano, o impacto que alterações climáticas e condições meteorológicas mais extremas podem ter em festivais.
Tendo como foco a realidade portuguesa, não é novidade falar de seca, stress hídrico, ondas de calor, risco de incêndio e todo um conjunto de fatores de risco que o calor extremo, que por vezes se faz sentir durante o verão ibérico, representa.
Neste artigo, tentaremos perceber de que forma é possível adaptar os festivais e garantir a segurança de todos os intervenientes da nossa indústria, fazendo face às condições meteorológicas extremas e às adversidades que representam para o setor dos eventos e da cultura.
Primeiro, os efeitos da pandemia, e logo de seguida, as consequências da crise climática. É assim que nos é introduzida a temática abordada no artigo em análise. Após 2 anos de luta constante para manter a indústria estável, regressámos com novos desafios, ou pelo menos obstáculos mais acentuados que antes. O artigo fala-nos do Splendour in the Green 2022, que após anos de espera devido à pandemia, viu a sua edição de regresso manchada devido às condições meteorológicas, que levaram ao cancelamento do primeiro dia de festival e às condições difíceis dos restantes dias do evento.
Com as temperaturas a subir anualmente, Portugal sofreu um aumento da temperatura média do ar de 2,3ºC nos últimos 5 anos. Estes são dados dum estudo feito em colaboração com a Agência Portuguesa do Ambiente, disponíveis através do Pordata. O estudo analisou a temperatura média do ar entre 1971 e 2021.
Apesar da flexibilidade e problem-solving de certos promotores/produtores/festivais, as condições climáticas representam um fator impossível de controlar, e por vezes impossível de contornar. O artigo apresenta-nos uma lista de 41 festivais que entre 2013 e 2023 sofreram alterações, foram adiados ou até cancelados devido às condições meteorológicas.
Com vários exemplos no nosso país, o mais recente e de maior notoriedade foi o Super Bock Super Rock 2022, que se viu forçado a passar da Praia do Meco para o Altice Arena por medidas do governo aplicadas de forma generalizada, que impediram a realização do festival no seu local inicial.
Uma medida compreensível do ponto de vista de prevenção generalizada de incêndios, mas que teve um impacto fortíssimo no festival, que apesar da capacidade de adaptação, não deixou de ser prejudicado pela medida.
Seja por questões meteorológicas que inviabilizem ou levem ao cancelamento do evento, ou por imposição governamental e medidas generalizadas que afetem negativamente os eventos, esta é uma realidade que vivemos atualmente.
De que forma podemos proceder de modo a garantir resoluções e medidas sustentáveis para os festivais?
Ora, como mencionado no artigo de Green e Strong, é também uma realidade que o setor da cultura é por diversas vezes subvalorizado e incompreendido. Basta recordar as dificuldades vividas durante a pandemia e a discrepância de medidas que deixaram o setor extremamente fragilizado. Pondo isto, uma das melhores soluções é sempre a do bom planeamento e da preparação de alternativas de modo a que o festival seja flexível e adaptável aos fatores antes mencionados. Contudo, isto não apresenta uma solução a médio/longo prazo que alinhe festivais e entidades competentes no que diz respeito a esta questão. Existe a necessidade de construir medidas que responsabilizem os promotores e garantam que os seus eventos são adaptáveis, mas também que exijam compromisso e compreensão por parte do governo ao decretar medidas que possam afetar de forma séria e negativa o trabalho de todos os intervenientes na indústria dos festivais. É necessário garantir a segurança de todos os festivaleiros e artistas, mas também a estabilidade e segurança dos promotores e trabalhadores nos festivais. Desta forma, poderemos garantir estabilidade num setor que ainda está em recuperação da crise pandémica, e necessita de apoio e condições para se reafirmar.
Concluímos em concordância com o artigo de Green e Strong. Apesar do progresso e consciencialização por parte dos promotores e parceiros dos eventos, é necessário ir mais longe e garantir compromissos de longa data que responsabilizem os festivais, mas protejam que os protejam de situações às quais não podem fugir. A APORFEST está atenta ao assunto, tendo contado com a presença do anterior presidente do IPMA, Miguel Miranda, no Talkfest para discutir a temática em questão e analisar o efeito que esta pode ter no planeamento e gestão dos festivais.
Já alinhados com a luta contra a crise climática, os festivais são cada vez mais eco e exemplo na sociedade de iniciativas sustentáveis a nível ambiental. Há que reconhecer e proteger os intervenientes que se alinham para diminuir os impactos no ambiente, e prevenir que estes se tornem vítimas constantes das consequências de fatores contra os quais lutam continuadamente.
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