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Análise de Artigo Científico: A Normalização e Desestigmatização das Raves


No final dos anos 90 e início dos anos 2000, a cultura rave nos Estados Unidos e Reino Unido foi profundamente estigmatizada devido à sua associação a comportamentos aditivos, nomeadamente o uso de drogas sintéticas como o ecstasy. Avançando para os dias de hoje, os festivais de música de dança eletrónica (EDM, House e principalmente de Techno) e a evolução do modo de produzir as raves e festas de cariz eletrónico tornaram-se populares e uma tendência, atraindo multidões e gerando um impacto económico que vai escalando, nomeadamente no pós-Covid.


O artigo científico de Cori Pryor, analisa e investiga a normalização e desestigmatização das raves (festas eletrónicas) nas últimas décadas, principalmente nos Estados Unidos, mas que tem também relevância na realidade atual a nível global, nomeadamente na Europa, América do Sul e o Sudoeste Asiático, onde festas e festivais desta índole são hoje tendência.


Em termos históricos, as raves originaram-se no início da década de 80 em Inglaterra e rapidamente se dirigiram para os Estados Unidos, onde se tornaram associadas a grandes festas (em espaços amplos ao ar livre ou em contexto indoor), muitas vezes ilegais, centradas na música Techno ou Trance. O pânico moral em torno do uso do ecstasy durante o final dos anos 90 levou a uma legislação criminal severa e a um estigma público significativo contra o público que frequentava estes eventos, os ravers. Esse estigma foi produto do sensacionalismo dos media e da resposta política, enquadrando este público como criminosos​, muito à semelhança do que aconteceu com os géneros do punk, rock e heavy metal nos anos 70, 80 e 90, respetivamente.


A cultura rave em Portugal conquistou um nicho distinto no panorama da música eletrónica europeia. Surgindo no final da década de 80 e ganhando força na década de 90, a cena rave portuguesa foi influenciada pelo movimento acid house do Reino Unido e pelo techno da Alemanha e da Bélgica. Caracterizadas pelo lado underground, as raves portuguesas realizavam-se frequentemente em locais remotos, como praias, florestas e armazéns abandonados, criando uma atmosfera de liberdade e de fuga às normas sociais dominantes, existindo ainda um lado mais oficial ligado às discotecas de grande dimensão de Lisboa e Algarve (como o Âlcantara Mar ou a Kadoc). A comunidade fomentava um sentido de unidade e inclusão, atraindo diversos grupos unidos pelo amor à música eletrónica e à dança. Apesar dos desafios legais e do pânico moral ocasional provocado pelos meios de comunicação social, a cultura rave em Portugal persistiu e evoluiu, incorporando agora uma mistura de elementos comerciais e underground, refletindo tendências mais amplas no panorama global da música eletrónica. Hoje em dia, a cena de música eletrónica e a cultura rave em Portugal não se pode dissociar - é vibrante, sempre com novos produtores e com uma mistura saudável entre raves underground e festivais de média e grande dimensão. Eventos como o Boom Festival, o Zna Gathering, o Sónar Lisboa, o Neopop, o Moga Festival, o SoundWaves, o Brunch Electronik, as festas temáticas da Bloop Recordings ou as matinés da Fuse colocaram Portugal no mapa como um destino-chave para os entusiastas da música eletrónica em todo o mundo, principalmente no mercado Europeu. Estes festivais atraem artistas e participantes internacionais, mostrando a mistura única de raízes underground e tendências contemporâneas da música eletrónica em Portugal e dando a conhecer a cultura e os artistas portugueses através de alinhamentos que cruzam o lado nacional (com legado importante) com o lado internacional (artistas/dj’s que têm uma vasta legião de seguidores). Segundo o Annual Report da Aporfest, ocorreram 27 festivais puramente de música eletrónica no seu alinhamento em Portugal no ano de 2023. Se fizermos uma análise mais exaustiva verificamos que a eletrónica (nomeadamente dj’s) está hoje em cartazes dos festivais mainstream também como o Super Bock Super Rock ou o Sudoeste.


Fotos: Raves na década de 90 nos EUA, Wikimedia


É por isso importante o estudo de C. Pryor que visa entender a mudança desde o estigma até à normalização das raves, usando uma combinação de metodologias durante toda a pesquisa. Este permite uma análise abrangente, passando por experiências pessoais de estigma por parte da comunidade até a perceções sociais mais amplas. A sua análise revela um declínio significativo na percentagem de ravers que relatam estigma, atualmente.


Originalmente, quase metade dos participantes experienciou um estigma durante a década de 90, enquanto que relatórios recentes indicam que apenas 20% enfrentam semelhante estigma. Este declínio sugere uma desestigmatização considerável das raves, destacando uma mudança na percepção e aceitação do público verificando também a mudança devido à forma de comunicação, a que as redes sociais ajudaram dando-se assim menos ênfase aos meios de comunicação social mais tradicionais. Curiosamente, o tipo de evento rave frequentado influencia a probabilidade de sofrer estigma dentro da própria comunidade de ravers. A participação em eventos de EDM mais manistream e convencionais proporciona um maior estigma dentro da comunidade, quando em comparação aos eventos tradicionais, mais underground. Por outro lado, a visão do público sobre as raves também se tem vindo a normalizar. A pesquisa de C. Pryor mostra um menor estigma associado às raves, refletindo a integração das mesmas com a cultura dominante. No entanto, as perceções do público em geral variam significativamente com base em fatores como: exposição nos media, pontos de vista sobre a comunidade LGBTQIA+ e experiências pessoais com estupefacientes. As pessoas que ouviram falar de raves através dos media (e que depositam maior confiança nos mesmos) ou têm opiniões estigmatizadas sobre indivíduos LGBTQIA+, tendem a ter perceções mais negativas destes eventos. Sendo assim, os meios de comunicação social apresentam um papel significativo na mudança – positiva ou negativa – da opinião do público e estes tendo canais de comunicação próprios – as redes sociais – conseguiram criar uma entidade e uma nova cultura de rave.


Conclui-se que, com o tempo, a cena rave, tanto nos Estados Unidos como no resto do mundo, começou a ganhar um maior nível de aceitação e legitimidade: alguns eventos mudaram-se para locais mais estabelecidos e ganharam reconhecimento oficial, para além de serem publicitados nos meios de comunicação social, indo além da comunidade de ravers e conseguirem assim mais patrocinadores e parceiros que querem estar associados a este novo movimento. Além disso, começaram a ser criados eventos e festivais de grande dimensão como: o Electric Daisy Carnival, Ultra, Tomorrowland ou o Amsterdam Dance Event.


A dissertação de C. Pryor fornece uma análise abrangente da normalização e desestigmatização das raves, oferecendo novas perspetivas que ajudam a perceber como uma subcultura outrora fortemente estigmatizada se tornou um fenómeno dominante e de tendência e de imagem até. O declínio no estigma relatado entre ravers e a visão cada vez mais normalizada do público sobre as raves destacam a natureza dinâmica da aceitação social e da mudança cultural. À medida que a sociedade continua a evoluir, o mesmo acontecerá com as perceções de subculturas como as raves, ressalvando o papel dos meios de comunicação e exposição a estas subculturas – sendo que quanto maior é a exposição, maior se torna também a normalização e a aceitação delas. Para além disso, a segurança e bem-estar neste tipo de eventos também é uma preocupação – tanto do público (ravers e público em geral), como dos organizadores. Em Portugal, registamos um número muito residual de incidentes graves neste tipo de festivais que se prende pela organização dos eventos e a sua preocupação com as normas de segurança (e planos de emergência integrados), apoio médico no local, e aderência a práticas de higiene e segurança no recinto (p.e., a proibição de itens por parte do público que possam causar acidentes).


Por fim, a atração duradoura da cultura rave reside na sua capacidade de se adaptar e prosperar entre paisagens sociais e culturais em mudança. Continua a ser um testemunho do poder da música como força unificadora e plataforma de expressão criativa.


Este artigo científico e o Annual Report Aporfst, na sua versão completa, estão disponíveis (para consulta) na área reservada aos associados (de todas as modalidades).

 

Bibliografia:

APORFEST (2024). Annual Report 2023

Pryor, C. (2024), "The Normalization and Destigmatization of Raves".

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