Cada vez mais a carreira de um músico é medida e ponderada tendo em conta as suas atuações em contexto de festival, é nesse contexto que se angaria um novo público e que se corporizam novas formas de preparação para uma gestão futura. Estivemos à conversa com David Santos que assume o artista Noiserv em palco, com vasta experiência em diferentes tipos de festivais de música nacionais como o: Nos Alive, Paredes de Coura, Confluências ou Iminente.
APORFEST: A atuação em contexto de festival pode ser ingrata, dependendo da slot dada e do tempo proporcionado. Dá gozo a atuação neste tipo de eventos ou preferes sempre trabalhar o público num concerto próprio?
Nosierv: São duas coisas diferentes mas que fazem parte de uma possível apresentação ao público banda. Dependerá também muito do género e música característica do festival e assim existem uns que se encaixam melhor na música de um artista. No meu caso pessoal, eu gosto de tocar em contexto de festival, onde existe um público novo para conquistar e assim tentar que a minha música possa encaixar e adaptar-se ao contexto existente, seja com bandas a atuar em simultâneo em diferentes palcos ou em contínuo num só palco.
És dos artistas musicais portugueses contemporâneos com mais atuações internacionais por ano. Como é a diferença do nosso público para o que te ouve fora do país?
Um concerto dependerá sempre de duas componentes: quem toca e quem te ouve. Daí dependerá a tua entrega perante aquilo que está a acontecer. Em Portugal serei sempre mais reconhecido que lá fora, porque é possível repetir um espaço, uma sala, uma 3ª, 4ª ou até 5ª vez. No exterior, com público menos conhecedor do que faço, tenho que me adaptar, não posso ir "mal-habituado". Nos países mais nórdicos, por exemplo, as pessoas são mais frias e reagem de forma menos calorosa ao que dás em palco, em França (onde toco mais), encontro mais semelhanças com o nosso público. Deverá ter que se ter presente que o público são sempre pessoas, e que por isso este te acolherá bem se tiver vontade de te ouvir.
Que atuações mais recordas em festivais ao longo da tua carreira. Porquê?
É complicado fazer escolhas porque todos eles ajudaram a contribuir para o que tenho vindo a fazer hoje e ao longo dos anos. Se tiver que destacar, faço-o com experiências novas - a primeira vez que atuei no Eurosonic (2011) em que foi a 1ª ou 2ª vez que toquei fora de Portugal e por isso um marco poder ver as expressões e reações do público estrangeiro a ouvir as minhas músicas e no nosso país (indo pela mesma lógica), destaco o concerto do Super Bock Super Rock, em 2010 no Meco, onde atuei no palco principal no mesmo dia que Arcade Fire e Portishead, onde criei uma sensação boa de tocar num palco enorme e onde estava apenas eu em palco e a voz sair com muita projecção. Destaco estas situações por um nervoso miudinho que criaram mas em que ganhas um estofo para conseguires enfrentar novos desafios.
Como consegues organizar-te e ser do mesmo modo focalizado em toda a produção e construção do teu concerto, és não só um "one man show" para o público e quem está no lado da organização. Há espaço para improvisar ou tudo está já devidamente automatizado em palco?
Ao tocar há sempre o risco de soares diferente por inúmeras questões. Essa organização exige ensaio e existem as músicas em que há mais margem para improviso. Ensaio e vontade de cumprir em garantir que a música funcione é o que procuro. Por onde passo já sabem que fico com o controlo de tudo até a posição dos 3 tripés, como a guitarra estar afinada e assim estar confortável no concerto que irei dar.
Hoje é mais fácil conseguir ter a própria música a circular pelo mundo mas também há mais concorrência. O que achas deste ponto?
Tudo o que indicas é verdade, muito mais fácil fazer circular a música nos dias que correm sem grandes custos. Quem quer fazer música consegue fazê-lo, no início de carreira, de forma acessível sem ter que pedir um empréstimo, para adquirir bom material e gravar em boas salas de ensaios, como há uns anos atrás, mas hoje é difícil seres aquele que se destaca e de forma continuada. Há uns anos tinhas 10 bandas de dimensão intermédia/alta em Portugal e hoje tens 500 e todas querem continuar a estar presentes e atuar sendo por isso mais fácil de ser esquecida. Podes combater isso fazendo as tuas coisas da melhor forma e esperar que gostem, tens é que ter sempre o pensamento que aquilo é o melhor que conseguirias fazer. Anteriormente para uma banda ter o seu reconhecimento contínuo era suficiente um single, hoje precisas de algo novo de forma sistemática, tens que ir alimentando a rede de pessoas que se mostrada interessada em seguir-te.
Foi por isso que surgiu a tua "Caixa de música"? Quais os resultados dessa interação com o público?
A "Caixa de música" surgiu com a ideia que tenho ao pensar num músico que gosto e aprecio musicalmente, o que gostaria que ele me desse. No início era quase algo de miúdo ao pensar porque não poderia dar algo com uma música minha a quem gosta das minhas músicas e depois o conceito foi evoluindo. Os discos estão hoje menos interessantes (têm o mesmo formato e características) e este é um objeto que se diferencia e que funciona como um complemento de uma capa de disco.
De que forma a Aporfest e os seus eventos principais como o Talkfest e Iberian Festival Awards, em que já tiveste envolvido como orador e atuação musical poderá ser importante para o desenvolvimento dos artistas que atuam nos nossos festivais?
Tudo o que possa ser feito para as pessoas e os profissionais ficarem mais próximos e conhecedores do que está a acontecer é positivo. Sempre que participei fez-me sentido porque ambos os eventos são plataformas profissionais importantes, nomeadamente para quem trabalha os festivais. São os festivais que conseguem dar a conhecer artistas e por isso parabéns ao trabalho que têm vindo a fazer e quanto mais ligações com Espanha e outros países conseguirem realizar, melhor será para os artistas.
Créditos Fotografia: Vera Marmelo, David Santos, @cherrylittlepics