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Presença feminina no alinhamento de festival: carência de representação ou falta de oportunidades?

A inclusão do universo feminino nos cartazes dos festivais tem sido questionada, cada vez mais, ao longo dos anos. Numa geração em que os direitos pela igualdade se discutem com vultoso afinco, a discrepância percentual de mulheres nos line-ups tem causado constrangimento, tanto pelo público, como por parte dos artistas. A cantora norte-americana, Halsey, foi uma das intérpretes que se manifestou acerca do assunto, concedendo uma crítica ao festival Firefly, em 2018. A artista contestou o destaque masculino, através da representação de apenas uma intérprete feminina nos primeiros vinte músicos e bandas confirmados. Esta contestação surgiu também perante o lançamento do cartaz do festival Vodafone Paredes de Coura em março de 2022, pelo público português, sendo que, posteriormente, a organização do festival confirmou atuações de mulheres no mesmo.


Neste presente ano, também uma estatística lançada pela BBC News indicou que somente 13% dos cabeças de cartaz, nos festivais do Reino Unido, foram mulheres. Já no Annual Report 2019, elaborado pela Aporfest, observámos uma enorme disparidade nas atuações dos festivais, sendo que apenas 14% das atuações (tendo por base o lead singer) foram de artistas femininas, ainda que grande parte do público presente nos festivais (60%) fosse composto por mulheres. Apesar dos esforços por parte dos organizadores, promotores, artistas e público, esta questão parece perdurar, fazendo com que os players da indústria se questionem pelas razões de tal ocorrência.


Nas redes sociais, as opiniões parecem divergir, consolidando uma discussão relativa à falta de representação de artistas do sexo feminino e à ausência de oportunidades facultadas às mesmas. Entre comentários que ilustram o estigma imposto durante longas décadas para com as mulheres, relacionando a predominância do sexo masculino em determinados géneros musicais, surgem também aqueles que relatam a falha de contactos e agenciamento das artistas nos festivais, principalmente, como headliners.


A falha da globalização de artistas femininas na indústria, em determinados estilos musicais, juntamente com um ainda preconceito pela sua relevância nos mesmos, pode propagar esta problemática. Vanessa Careta, booker e responsável de line-ups pela promotora Everything Is New, referiu ao Interruptor, em 2021, que a disfunção “é gerada pela própria estrutura da indústria”, ressaltando que não existe aversão à colocação de artistas femininas, porém a falha existente nos grandes palcos deve-se ao “reflexo do que é mais popular, conforme os géneros de música mais programados”. Esta questão alberga também a preferência do público por bandas nos festivais, também estas contendo mais integrantes do sexo masculino, agravando a situação, resultando numa grave falha organizacional da indústria.


A luta pela quebra do estigma tem sido, ainda assim, notória. A estatística aponta, em média, para pouco menos de 20% de artistas femininas como headliners de festivais, no presente ano, em Portugal. Uma evolução pequena, mas ainda assim significativa consoante o último ano pré-pandemia. É visível a preocupação dos promotores e programadores, como o exemplo de festivais como o FMM Sines que teve o cuidado de incluir diversas mulheres no seu cartaz, confirmando 19 artistas para a sua 22ª edição. Por outro lado, esta preocupação foi considerada nas conversas ilustradas em diversos festivais, como no Festival F, sendo um bom princípio para enaltecer a necessidade de contrair as práticas vividas nas últimas décadas. As próprias artistas têm propagado a palavra, ao longo do tempo, quer no contacto com o público em atuações, quer por entrevistas, quer nas suas composições, dando relevo ao papel que a mulher tem, também, neste universo que é a música. Tal tem sido visto em imensos festivais ao redor do mundo, tanto em formato de manifesto, como em forma de glorificação pela evolução visível, ainda que exista um grande caminho a percorrer para a igualdade de oportunidades.


O estigma predominante causa, ainda, uma outra problemática para com as artistas femininas. A aceitação perante uma estrutura desorganizada de uma indústria musical ainda retrógrada que causa aversão à continuação da busca pelo sonho. A normalização das mulheres instrumentistas, por exemplo, deve ser uma conceção a reter num futuro próximo, facultando idênticas oportunidades dadas aos elementos do sexo masculino que singram, através de instrumentos que não a voz. Deste modo, a presença de mulheres em bandas será, com certeza, também evolutiva.


A artista norte-americana Maggie Rogers evidenciou à BBC News um assunto importante: o sentido de comunidade na indústria musical, ressaltando que esta funciona quando existe inclusão. Quando tal não acontece, o desequilíbrio na estrutura surge. Existe um grande sentido de consciencialização, mas uma falta de ação, nomeadamente pelo seguimento de padrões outrora concebidos, por parte de certas organizações que receiam os resultados perante tal mudança, nomeadamente aquelas que têm resultados positivos com o seu trabalho ao longo dos tempos. Contrariamente, surgiram diversas associações, conferências ao redor do globo e iniciativas que tentam desconstruir tais barreiras, como o caso da Rebalance, um projeto que apoia a representatividade das artistas femininas nos headliners dos festivais. Similarmente, a Keychange, iniciativa da PRS Foundation, tem feito inúmeros esforços para alcançar um resultado imparcial (50/50) nos cartazes dos festivais.


O que é certo é que a representatividade surge com a oportunidade atual (deste tema estar na ordem do dia) e tal obriga a uma reprogramação estrutural ao nível da indústria musical mundial para que possa de facto ocorrer. Os festivais são um nicho desta problemática, porém podem oferecer um grande acrescento para a enorme evolução que, ainda, tem que ser efetuada, através da mudança e da quebra de paradigmas que se encontram estagnados há anos. A integração é e será sempre importante para o desenvolvimento humanitário. Sendo esta bastante visível nos festivais (para o bem e para o mal), através do público, faltará conseguir-se caminhar um pouco mais para que, também, quem esteja no palco, se sinta parte deste marco de forma equilibrada.


Referências Bibliográficas:

Mansfield M., Lynch P. and Woodhead L. (2022, 05). Music festivals: Only 13% of UK headliners in 2022 are female. BBC News. Disponível em: https://www.bbc.com/news/newsbeat-61512053

Aporfest. (2019). Annual Report: Festivais de Música em Portugal. Aporfest. Disponível em www.aporfest.pt para associados.

Correia, R. (2021, 10). 3500 concertos depois, o silêncio dos grandes festivais trava o resto da música. Interruptor|Liga-te. Disponível em https://interruptor.pt/artigos/onze-anos-festivais-verao-em-portugal

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