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Navegando o Labirinto Pós-Pandemia: Desafios no Booking de Artistas Internacionais

À medida que o mundo emergiu, principalmente a partir de 2022, da pandemia, a indústria da música e do entretenimento viu um crescimento sem precedentes, como nunca antes havia acontecido. Os festivais, que ficaram adormecidos durante dois anos, puderam então voltar à carga, aproveitando a ânsia do público para voltar a experienciar os espetáculos ao vivo. Este crescimento na indústria, no entanto, proporcionou novas dificuldades, como pudemos verificar no Annual Report feito pela APORFEST, nomeadamente: a dificuldade na contratação de equipas qualificadas e provedores de serviço e também a dificuldade no booking de artistas devido ao aumento da competitividade e do número de festivais a decorrer, não só em Portugal como na Europa e no mundo. A convergência de fatores, como a proliferação de festivais pós-pandemia, o aumento da inflação o surgimento de novas rotas de festivais (e.g. Ásia e América do Sul), criou um cenário complexo para os promotores de eventos e bookers. Vamos analisar em detalhe quais os fatores que podem contribuir para estas adversidades.

 

Competitividade entre Promotores:

Depois do boom de festivais, a partir de 2022, e que continua a crescer em 2024, verificamos uma grande concorrência e competitividade entre promotores. O que antes era um conjunto de um reduzido número de empresas promotoras de eventos, tornou-se um negócio à escala global, onde as empresas têm cada vez mais conhecimentos e capacidade de investimento em artistas de grande escala, competindo entre si para garantir headliners de peso e artistas significativos internacionais, em vista de agradar o público, o que se tem tornado cada vez mais desafiante. A competição entre promotores leva ao overbooking de artistas, e ao impedimento de novas datas para concertos. Enquanto que os festivais são uma ótima oportunidade para os artistas promoverem a sua música e a darem a conhecer a novos públicos (nomeadamente artistas internacionais), os mesmos têm de definir prioridades no que toca ao agendamento de concertos e festivais. Esta fragmentação do processo de booking de talentos pode dar origem a confusão, atrasos e até guerras de licitação, aumentando os custos associados à obtenção de talentos internacionais e também a indisponibilidade dos próprios artistas. Para além dos constrangimentos mencionados, isto pode também levar a um burnout do artista e equipa, o que agrava ainda mais o ciclo.

 

Inflação e Instabilidade na Europa:

O panorama sociopolítico na Europa, a instabilidade política em Portugal, bem como a guerra na Ucrânia, fizeram aumentar, como sabemos, a inflação de todos os bens e serviços. Desde o transporte e alojamento até às despesas de produção, todos os aspetos na produção de eventos sofreram um aumento consequente de custos, que na maioria das vezes não é acompanhado pelos apoios municipais/governamentais. Se os valores alocados à cultura em Portugal já eram baixos, hoje percebemos que são cada vez mais deficientes para conseguir gerir a produção de eventos culturais. Por este motivo, as promotoras tendem a optar por apostar em artistas nacionais, onde os custos inerentes à deslocação são mais baixos. Equilibrar o desejo de entregar uma line-up excepcional com as realidades financeiras atuais não é tarefa fácil e vemos isso nos festivais mais mediáticos, onde existe um menor número de artistas de origem não europeia. Em 2019, a percentagem de artistas portugueses nos festivais (em Portugal) era de 64%, sendo que em 2023 foi de 63%. Tendo em conta os cartazes já anunciados para os festivais de 2024 notamos uma tendência clara: os festivais com maior alcance e financiamento têm mais possibilidade de contratação de artistas internacionais (ex: Rock in Rio, tem apenas 10 artistas portugueses na line-up, nos 33 artistas já anunciados (30%); NOS Alive já anunciou 29 artistas, todos internacionais, mas na maioria europeus), enquanto que os festivais de menor dimensão apostam em mais artistas nacionais (ex: AGEAS Cooljazz, em 12 artistas anunciados, 33% são portugueses).

 

Audience at the NOS Alive festival

Créditos: NOS Alive, facebook


O mercado noutros continentes:

Para além do panorama europeu, temos vindo a verificar um aumento do mercado nos continentes Asiático e Africano. Um estudo de 2024 do IFPI (que representa a música gravada pelo mundo), indica que a Ásia contribui para 46% das vendas de música a nível mundial, em 2023. Isto explica o motivo pelo qual há um crescimento significativo de digressões e eventos neste continente. Além disso, o crescimento do género K-Pop e a propagação da sua cultura de “superfãs” ajudou a disseminar as vendas e afluência a festivais no continente. Por outro lado, o EDM também se expandiu neste continente, como podemos verificar pelos festivais Ultra Japan e Ultra Korea, que apelam a uma população mais jovem. De acordo com o relatório do IFPI “Engaging with Music”, enquanto que o número de horas de música ouvidas por semana globalmente é de cerca de 20h, na China, por exemplo, ultrapassa as 27h semanais.

Já a África Subsariana teve o maior crescimento de qualquer das regiões analisadas (20%), expandindo os seus artistas para outros mercados de grande alcance. Podemos verificar por exemplo, o crescimento de Amapiano na Europa e o primeiro festival de Amapiano a acontecer em Portugal este ano (2024). Com o crescimento dos vários mercados de música em todo o mundo, a requisição dos artistas com renome mundial é também maior, o que impede a sua contratação. Cada artista é único e humano – só há uma Taylor Swift e ela não pode estar em todos os festivais – veja-se o exemplo do Governo de Singapura que pagou em 2024, 5 milhões de euros por concerto para atuar apenas no seu país em todo o Sudoeste Asiático. A transferência de tours artísticas para a Ásia tem aumentado exponencialmente (bandas e DJ’s) e é impossível competir – pois os dias do ano não aumentam e tendo os festivais nova concorrência os artistas cedem às melhores ofertas que estão a vir de outros contextos.

 

European Talent Exchange Program:

O European Talent Exchange Program (ETEP) é um programa da União Europeia que visa promover a interculturalidade e intercâmbio de novos artistas entre os Estados-Membros da UE. Desde 2003, 172 festivais de 38 nações acolheram 1520 artistas de 26 países através desta plataforma. Mesmo com este programa em vigor, notamos uma grande dificuldade na contratação de artistas internacionais e até incertezas quanto a situações burocráticas como vistos ou outros protocolos transfronteiriços. Temos como exemplo a banda portuguesa Toxikull que foi impedida de entrar na Roménia e teve, assim, que cancelar o concerto no passado dia 03/abr – a banda expôs a situação nas redes sociais, onde alegam que passaram cerca de 18h na fronteira.

Como podemos perceber através desta questão (havendo também outras de artistas vindos, por exemplo, dos Estados Unidos), existem também obstáculos logísticos, desde navegar por regulamentos de viagem complexos até garantir a segurança da equipa, artistas e equipamento. Por outro lado, os cancelamentos ou imprevistos nas viagens dos artistas ou conflito com outros concertos também são impeditivos, como foi o caso do Luna Fest em Coimbra com a banda Devo. Consequentemente, muitos promotores optam por menos compromissos internacionais, minimizando os riscos.

 

Conclusão

Perante estes desafios, a adaptabilidade e criatividade são primordiais. Os promotores deverão adotar estratégias (ainda mais) inovadoras para atrair e reter talentos internacionais e, ao mesmo tempo, mitigar os riscos financeiros. A colaboração e as parcerias dentro da indústria podem promover sinergias que agilizam o processo e aliviam os encargos logísticos – a lusofonia, o lado ibérico pode ajudar a mitigar este novo desequilíbrio. Além disso, priorizar o bem-estar e a segurança dos artistas e membros da equipa deve continuar a ser prioridade, garantindo um ecossistema sustentável e resiliente para música ao vivo. Como podemos mitigar estas dificuldades? O reforço nos programas de intercâmbio de artistas da UE, a colaboração entre países, o apoio governamental (tanto financeiro, como logístico), e um compromisso para a cultura podem ajudar a manter um ecossistema mais vibrante e resiliente para artistas, fãs e promotores.

 


Audience at the Rock in Rio Festival (Portugal)

Créditos: Rock in Rio, facebook

 

Bibliografia:

AGEAS Cooljazz, 2024, cartaz em https://www.cooljazz.pt/en/ 

APORFEST, “Annual Report 2019”, 2020

APORFEST, “Annual Report 2023”, 2024, disponível na área de associado

Henry, L. A., “Music Moves Europe”: Music Festivals, Musicians, And Transnational Policy Networks In The European Union”, 2022

IFPI, “Engaging with Music”, 2024, em https://www.ifpi.org/resources/ 

IFPI, “Global Music Report, State of the Industry”, 2024, em https://www.ifpi.org/resources/ 

Négrier, Emmanuel, “Festivalisation: Patterns and Limits”, 2017

NOS Alive, 2024, cartaz em https://nosalive.com/nos_alive_cartaz/

Reynolds, Andy, “The Live Music Business”, 2022

Robertson, M., et al., “Events and festivals: Current trends and issues”, 2007

Rock in Rio, 2024, cartaz em https://rockinriolisboa.pt/pt/line-up

 

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