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Entrevista: A investigação sobre festivais (relação das marcas e o naming sponsor) feita em Portugal


(APORFEST, Tiago Fortuna) Porque escolheu os festivais de música como tema para a sua investigação?

Matilde Ribeirinho - Uma dissertação/tese deve ter um tema pessoal, atual e interessante. Escolhi estudar os Festivais de Música pela minha paixão por eventos em geral, e deste tipo de eventos em particular. Desde sempre pensei como seria organizar um evento desta estrutura e dimensão, com todas as questões logísticas, de idealização e planos de contingência necessários para prever o inesperado. Esta temática é atual pois, como as várias edições do Talkfest têm vindo a demonstrar, assistimos a um aumento considerável de Festivais de Música com o decorrer dos anos em Portugal, o que é interessante dada a pequena dimensão do nosso país.


De que forma se encontra investigação suportada e creditada nesta área em Portugal?

Um dos fatores que me aliciou na escolha desta temática foi o facto de ainda haver pouca investigação nesta área, principalmente em Portugal. A investigação deve dar um contributo prático para a gestão e deve preencher um “gap” que possa haver, ao nível académico, na investigação existente. De toda a informação que recolhi durante do meu estudo, fui percebendo que a investigação na área dos Festivais de Música fora das fronteiras portuguesas é relativamente recente e, em Portugal, os estudos existentes são, como o meu, ao nível de Mestrado. Assim, se os autores dessas investigações não publicarem artigos científicos para creditarem a sua investigação, Portugal fica sem publicações suportadas e creditadas nesta área. Para além disso, não tenho conhecimento de investigações sobre Festivais de Música ao nível de Doutoramento. No Doutoramento é possível fazer estudos mais profundos, desenvolver modelos complexos que contribuam de uma forma mais eficaz para a gestão e mais inovadora para a academia. No Mestrado, os alunos estão mais limitados a vários níveis, daí a importância de começar a haver mais investigação nesta área em Doutoramento, já que será principalmente através desta forma que o panorama português de investigação de Festivais de Música melhorará e ficará mais conhecido e citado.


O que concluiu acerca das intenções de compra dos consumidores?

A experiência no evento e o entretenimento fornecido no mesmo têm impacto na atitude face ao evento que, por sua vez, é transferido para a marca patrocinadora (Close et al., 2006). Quando expostos a eventos, os consumidores têm experiências e depois criam uma opinião com base nessas experiências. Para um evento ser bem sucedido e proporcionar experiências positivas aos festivaleiros, a sua organização deve ser cuidadosamente preparada, para que os participantes vejam a mensagem que o consumidor pretende transmitir como uma parte integrante do evento e não oposto, isto é, o evento para como uma ação de Marketing (Close et al., 2006). A avaliação que o consumidor faz, traduz-se em conotações face à marca (tendo em conta a experiência no evento), que leva ao comportamento – intenção de compra.

Outra questão interessante está relacionada com a adequação entre a marca e o festival. A maioria dos respondentes concorda que existe uma ligação natural entre o tipo de evento e aquilo que a marca significa. Esta questão está diretamente relacionada com o fenómeno da transferência de imagem do evento para a marca. Assim, quanto mais congruentes e adequadas forem as associações e valores do evento com a marca patrocinadora, maior a tendência de transferir imagens positivas do evento para a marca. Todo o processo de transferência de significados, atributos e características do evento para a marca acontece na mente dos consumidores e é completado com a incorporação desses mesmos significados por parte dos consumidores, através do consumo dos bens e serviços das marcas patrocinadoras do evento.

Com este estudo foi possível constatar que o facto de as marcas patrocinarem os Festivais*, dando-lhes nome (ou seja, sendo naming sponsor), tem um impacto positivo nas intenções de compra dos festivaleiros.

*Os 5 Festivais de Música estudados foram: Meo Sudoeste, NOS Primavera Sound, Super Bock Super Rock, NOS Alive e Vodafone Paredes de Coura. Foram apenas estudados os namings sponsors dos Festivais de Música e não todas as marcas presentes nos mesmos.


Ao estudar a relação dos festivais com as marcas fez alguma pesquisa sobre o panorama internacional? O que mais lhe despertou atenção?

Durante o estudo, tive contacto com artigos que analisam alguns Festivais de Música estrangeiros. No entanto, a pesquisa que fiz debruçou-se sobre a generalidade dos Festivais de Música e como estes se relacionam/são afetados por várias variáveis do comportamento do consumidor (e não com festivais específicos). Posso mesmo assim mencionar que o que mais me despertou a atenção foi a discrepância existente entre a quantia que um festivaleiro português e um festivaleiro europeu gastam por dia num Festival de Música: o primeiro gasta entre 10€ a 20€ e o segundo gasta cerca de 150€ (esta questão foi mencionada no Talkfest’14).


Na apresentação do estudo fala na falta de eficácia dos brindes, podia desenvolver um pouco mais esta ideia?

De acordo com os dados do meu estudo, 79,7% dos festivaleiros tem contacto com as marcas nos Festivais de Música através de produtos de merchandising/brindes. Esta mostra-se, assim, a forma mais comum de interação com a marca num festival. Como referi na apresentação do estudo, os brindes têm uma importância diferente para públicos-alvo diferentes. Se, por um lado, há Festivais onde o público dá muita importância à existência de brindes e de atividades organizadas pelas marcas (os festivaleiros usam os brindes, tentam recolher o maior número de recordações possível e participam nas várias atividades proporcionadas no recinto), por outro lado, há públicos que consideram que aproveitar ao máximo a sua experiência em Festivais de Música não passa por recolher brindes das marcas patrocinadoras. Isto está intimamente relacionado com o conceito do Festival, com o cartaz, com o ambiente e toda a envolvente criada naquele evento. As marcas têm conhecimento disso e adequam os brindes (tanto em quantidade, como em utilidade e diversidade) de acordo com o público-alvo que têm (isso é perfeitamente visível no contraste, por exemplo, entre o NOS Primavera Sound e o Meo Sudoeste).


Serão as marcas demasiado invasivas no recinto do festival?

Esta questão depende novamente do público-alvo e não pode ser analisada na generalidade, uma vez que as marcas não estão todas presentes da mesma forma nos Festivais. Até a mesma marca (naming sponsor) poderá estar presente de forma diferente em Festivais diferentes. Um dos inquiridos, acerca do NOS Primavera Sound, respondeu que a marca esteve presente no Festival, mas sem ser intrusiva. Isto demonstra que, as marcas marcam a sua presença, mas adaptam-se ao seu público-alvo – esta é a chave. Houve também inquiridos que não se demonstraram incomodados com a presença das marcas e outros que, pelo contrário, afirmaram que um contacto próximo com as marcas só prejudicaria a experiência no festival. Assim, de acordo com os dados recolhidos, é possível afirmar que, regra geral, as marcas se adaptam à realidade do Festival, tentando não ser intrusivas. Há sempre exceções e esta questão também depende muito da opinião individual de cada festivaleiro.


Se não existe compromisso entre a marca e o consumidor no/após o festival porque faz sentido o investimento das marcas nos festivais?

A sociedade ensinou os consumidores a procurarem sempre o “best deal”, o que torna bastante complicado o compromisso com as marcas, ainda mais num cenário onde, 4 dos 5 Festivais de Música estudados, têm como naming sponsor operadores de telecomunicações. No entanto, a presença das marcas nos festivais trará, inevitavelmente, notoriedade, assim como o chamado brand recall (lembrança “automática” de uma marca, quando se fala de uma determinada categoria de produto) e brand recognition (quando, em contacto com algum elemento da marca, o indivíduo a reconhece, distinguindo-a das outras marcas) (Keller, 1993). A melhor forma de aumentar a notoriedade é atingir o maior número de pessoas possíveis através do patrocínio (Aaker, 1991; Gwinner, 1997).

Este fenómeno é ainda mais claro no caso dos naming sponsors, em que o nome do patrocinador incorpora o nome do festival, sendo portanto muito mencionado por todos – festivaleiros e não festivaleiros.


Na sua tese aborda a falta de estudos no campo dos festivais e realça que o mais semelhante são os eventos desportivos. O que distingue estes dois tipos de evento?

Durante a pesquisa para o desenvolvimento desta investigação, encontrei vários estudos no campo dos patrocínios, sendo a grande maioria, sobre eventos desportivos. Tanto os Festivais de Música como os eventos desportivos são eventos de entretenimento que movem grandes massas populacionais e financeiras, que atraem a atenção dos media e são importantes para o desenvolvimento das economias locais. Os Festivais de Música podem, no entanto, fornecer uma experiência mais envolvente e completa, com mais atividades (diferentes e alternativas) para os festivaleiros ocuparem o seu tempo e interagirem com as marcas, criando assim mais ocasiões de interação social e de contacto com as mesmas (e consequente aumento de notoriedade). Outro fator que distingue estes dois tipos de eventos está relacionado com o facto de alguns eventos desportivos durarem quase todo o ano, enquanto que os Festivais de Música acontecem uma vez por ano, numa altura específica (normalmente no Verão).


Considera que podem existir vantagens ou desvantagens do investimento em festivais face aos eventos desportivos?

Ambos têm as vantagens já referidas, como a notoriedade e o facto de atingirem uma grande massa populacional, tornando-se assim mais “lembrados” pelas pessoas. Como referido anteriormente, a generalidade dos eventos desportivos tem uma duração maior do que os Festivais de Música, o que representa uma grande vantagem em relação a estes, que acontecem apenas uma vez no ano.

Por outro lado, e embora o cartaz seja muito importante para alguns, para outros o que é realmente relevante nos Festivais de Música é experiência em si, toda a envolvência e tradição do Festival e o convívio com os amigos (veja-se a quantidade de bilhetes vendidos para alguns Festivais de Música antes de o cartaz ser revelado). No caso dos eventos desportivos, as pessoas vão com um objetivo especifico, normalmente associado ao clube que apoiam. O resultado do evento poderá nem sempre ser do agrado do público, enquanto que num Festival, se este for bem organizado, provocará emoções tendencialmente positivas (como euforia e alegria), tornando os festivaleiros mais predispostos a receber tudo aquilo que o evento tem para lhes dar, incluindo as mensagens das marcas.

Assim, no meu entendimento, existem vantagens (como as referidas) mas também existem desvantagens, como o facto de as marcas poderem estar associadas a maus resultados ou situações menos agradáveis. Um paralelismo que pode ser feito para melhor compreensão é o caso do endorsement, onde uma celebridade promove um determinado produto ou serviço de uma marca. Se a celebridade se envolver num escândalo, isso terá uma associação de imagem negativa para a marca que a esta está a publicitar.


Que ideia tem sobre o futuro desta relação entre marcas e festivais?

É sabido que, em Portugal, o patrocínio é indispensável para a sobrevivência de muitos Festivais de Música. É também uma ferramenta importante para os Festivais que pretendem ter grandes “cabeças de cartaz”, condições logísticas melhores, e experiências inovadoras para proporcionarem aos seus festivaleiros. No entanto, importa referir que há Festivais de Música que sobrevivem sem patrocinadores (nomeadamente naming sponsors), mantendo-se fiel à sua história e tradição (normalmente festivais de menor dimensão e menos “industrializados”).

Penso, no entanto, que esta relação entre marcas e festivais acabará por ser, na grande maioria dos casos, indispensável. Se a relação for bem gerida, trará benefícios para ambas as partes e para o público. O patrocínio fornece uma “margem de manobra” para o desenvolvimento de projetos dentro do Festival de Música que, sem ele, não seria possível.


A Aporfest pode trazer benefício para a indústria dos festivais de música?

A Aporfest representa uma mais valia para a investigação na área dos Festivais de música, já que possibilita o acesso a uma base de dados completa para recolha de informação, bem como o ingresso em programas de formação certificada na área.

É também uma importante ferramenta para fazer a ponte entre os players da indústria dos Festivais de Música e fornece um número considerável de serviços (como consultoria e organização de eventos, entre outros), completando assim a ligação entre a tríade Estudante/ Público em geral; Profissional; Empresa/ Festival.



Referências:

Aaker, D. (1991), "Managing brand equity: capitalizing on the value of a brand name", New York: The Free Press

Close, A. G., Finney, R. Z., Lacey, R., & Sneath, J. Z. (2006), "Engaging the Consumer through Event Marketing: Linking Attendees with the Sponsor, Community, and Brand", Journal of Advertising Research, 46(4), 420–433

Gwinner, K. P. (1997), "A model of image creation and image transfer in event sponsorship", International Marketing Review, 14(3), 145–158

Keller, K. L. (1993), "Conceptualizing, Measuring, Managing Customer-Based Brand Equity", Journal of Marketing, 57(1), 1–22


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